Repressão ou liberdade? O que é melhor? Liberar ou proibir o uso de drogas no Brasil? Essas e outras questões foram abordadas e debatidas nesta sexta-feira (23), durante uma audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa da Paraíba, em conjunto com a Câmara Municipal de João Pessoa. Coube ao desembargador Siro Darlan, um paraibano radicado no Rio de Janeiro, discorrer sobre o tema “A segurança pública no Brasil e políticas sobre drogas: o que fazer?”. Para o magistrado, a legalização seria a melhor forma de acabar com os problemas provocados pelo tráfico. “As drogas são ruins, mas a guerra às drogas é muito pior e mata muito mais”, disse ele, que aproveitou o início da audiência e fez uma homenagem a vereadora carioca, Marielle Franco, assassinada no dia 14 de março, com a apresentação de uma foto da parlamentar durante uma entrevista.
O desembargador lembrou que é infinitamente maior o número de pessoas que morrem por causa dessa nociva e sanguinária guerra do que pelo consumo das próprias drogas. “No Brasil, a taxa de homicídios é de, aproximadamente, 26 homicídios por cada 100 mil habitantes. Grande parte desses homicídios está relacionada aos conflitos estabelecidos nas disputas pelo mercado ilegal e na sanguinária política baseada na guerra contra as drogas”, disse Darlan. Ele afirmou que passados 100 anos da proibição das drogas, com seus mais de 40 anos de guerra, os resultados são mortes, prisões superlotadas, doenças contagiosas se espalhando, milhares de vidas destruídas e nenhuma redução na circulação das substâncias proibidas. “Sob qualquer ângulo a proibição é uma política falida”, reiterou o desembargador.
No entendimento de Darlan não são as drogas que causam violência. “O que causa violência é a proibição. A produção e comércio de drogas não são atividades violentas em si mesmas. Não há pessoas fortemente armadas, trocando tiros nas ruas, junto a fábricas de cerveja ou junto a postos de venda dessas e outras bebidas, mas isso já aconteceu, nos EUA, entre 1920 e 1933, quando o álcool foi proibido naquele país. Só existem armas e violência na produção e no comércio de maconha, cocaína e das demais drogas tornadas ilícitas porque o mercado é ilegal. É a ilegalidade que cria e coloca no mercado empresas criminalizadas que se valem de armas não apenas para enfrentar a repressão”, argumentou o magistrado, lembrando que a política proibicionista naturalmente impulsiona a expansão de facções, gangues, carteis, máfias e outros grupos clandestinos.
Legalizar, para Siro Darlan, não significa permissividade ou liberação geral. “Ao contrário, a legalização significaria o fim do mercado clandestino e, assim o começo de regulação de todas as drogas. Legalizar significa exatamente regular e controlar. Não é verdade que se legalizar haverá um aumento incontrolável do consumo, como muitos temem. Não há qualquer indicação concreta de que isto poderá acontecer. Legalizar não significa aprovação de qualquer droga, mas apenas a decisão racional de pôr fim aos maiores riscos, danos, sofrimentos causados quando tais substâncias são objeto de proibição”, defendeu ele.
Abordando as estatísticas de criminalidade e violência ligadas à guerra contra às drogas, o desembargador argumentou que, no ano passado, 110 policiais militares e civis foram assassinadas e este ano 30 policiais já morreram no Rio de Janeiro e, no caso específico da capital fluminense, ele lembrou que os habitantes das comunidades são pobres, pretos e muitos são nordestinos e que estereotipar, etiquetar as pessoas que moram nestas comunidades como criminosos é o verdadeiro crime que se deve combater. “Nós estamos vivendo uma guerra, antes não oficialmente declarada e agora declarada com a presença das forças armadas no Rio de Janeiro e eu me questiono será que são as drogas que estamos combatendo?”, disse Siro Darlan.
Para o desembargador, é preciso acabar com a hipocrisia que é a marca registrada do processo educacional brasileiro. “Quem é que diz que maconha, cocaína e outras drogas causam mal. É um departamento que estabelece e enumera quais são as drogas ilícitas e isso é absolutamente antidemocrático. Quero trazer uma reflexão em cima deste tema. São 40 anos de guerra perdida como é perdida sem nenhum medo de errar essa nova intervenção militar no Rio de janeiro. As forças armadas, instituição da maior respeitabilidade, que deve ser resguardada para proteger o patrimônio, o território e os bens de nossas pátria não pode ser diminuída com uma atuação de poder de polícia, que atribuição dos policiais civis e militares de cada unidade da Federação”, destacou Siro Darlan.
Para ele, esse combate as drogas no Brasil é equivocado. “Ele faz com que nós tenhamos 700 mil brasileiros e brasileiras privados da liberdade, quando 70% deles poderiam estar em liberdade sem nenhum risco para segurança pública e a utilização deste orçamento perdido no sistema penitenciário poderia estar sendo direcionado para educar a população, para construir escolas e mostrar a sociedade os malefícios das drogas”, destacou o magistrado. Outro equívoco, segundo Darlan, é dizer que a maconha é a porta de entrada para outras drogas. “Quem disse isso, quem comprovou isso? Não há nenhum estudo sério que aposte nesta teoria e nós repetimos isso. Ela é apenas a droga mais fácil de ser conseguida e portanto a mais consumida, por isso, é natural e previsível que a maioria dos usuários de drogas ilícitas comece por ela, mas isso não significa de que a maconha seja a porta de entrada, mas apenas uma decorrência do lugar comum”, afirmou.
Siro Darlan, no entanto, enfatizou que a sua forma de pensar em nenhum momento pode ser entendida como apologia ao uso de drogas. “As drogas fazem mal, aliás, todo tipo de droga faz mal, mas sem nem perceber nós fazemos uso de droga diuturnamente, porque tomamos vinho, cerveja, mas temos a liberdade de escolher qual é a dose que faz bem e qual a que faz mal, qual é o nível de droga que nos dá prazer, que nos causa bem estar e qual é o excesso que vai se transformar em mal. O mesmo raciocínio se aplica as drogas ilícitas. Cheirar uma carreirinha de cocaína, de vez em quando, pode dar prazer a muita gente e não necessariamente causar atos de violência. da mesma forma que tomar uma dose de bebida, socialmente e com responsabilidade, nenhum mal nos causará. O mais importante é que nós sejamos livres, como diz a Carta dos Direito Humanos, livres para escolher a forma prazerosa de vida ou de morte”, finalizou Siro Darlan.
O advogado e deputado estadual, autor da iniciativa de realização da audiência pública, Jeová Campos, também concorda que o modelo atual de combate às drogas no país se mostrou ineficiente e deve ser mudado. “Estamos há mais de 40 anos numa guerra insana. O fato é que a política repressiva contra as drogas não está produzindo resultados. E há uma inquietação que preocupa toda a sociedade, que é cada vez mais o aumento da estrutura e poder organizacional do crime. É a influência econômica do crime. É o poder de mando do crime nas comunidades, nos presídios, na sociedade”, destacou Jeová, lembrando o jurista Miguel Reali, in memoriam. “Entre fato e versão, como dizia Reali, o direito nasce do fato e ao fato se destina, em função dos valores e quais são os valores que nós estamos aqui debatendo, é que a vida está sendo, literalmente, ceifada, a liberdade das pessoas comprometida, a sociedade está amedrontada e precisamos encontrar saídas”, disse o deputado.
Para Jeová, a audiência cumpriu o seu papel que foi o de debater uma questão que preocupa toda a sociedade. “Nós não saímos daqui com soluções mágicas, mas fizemos um esforço coletivo para dentro de uma crise profunda, tentar encontrar a saída para a própria crise”, destacou Jeová. Segundo ele, a sociedade não fez o debate sobre drogas no campo certo. “A questão não é proibir. A criança precisa ser preparada para não ser consumidora de drogas. Em pleno século 21, nós estamos aqui, neste debate, criminalizando a doença que é a dependência química. Nós precisamos meditar sobre isso. Se nós mudarmos essa mentalidade e acabarmos com o proibicionismo vamos enfraquecer o tráfico e acabar com essa guerra que mata muita gente”, reiterou Jeová.
Além do deputado Jeová Campos e do desembargador, Siro Darlan, falaram durante a audiência os vereadores Marcos Henriques e Carlão, o juiz Marcial Ferraz, Márcio Gondim, que representou o Ministério Público, José Godoy, representante do Ministério Público Federal, Luiz Pereira, do Conselho Municipal de Políticas contra as Drogas, a Promotora Pública, Aline Mota, a professora da UFPB, Ludmila Correia, o coronel Lucena, da Polícia Militar, além do representante do Corpo de Bombeiros e da OAB-PB, sendo que alguns se manifestaram contra a legalização e outros defenderam a mesma posição do palestrante. A unanimidade de opiniões convergiu quanto à necessidade de se combater o tráfico e os problemas a ele relacionados.